Ao longo de toda a história que conduz até aos nossos dias o Alto de S. Bento tem representado para os Eborenses, mesmo que inconscientemente, uma referência de primeira importância na organização mental do espaço e na construção e percepção da paisagem cultural envolvente.
Sendo o último dos relevos orientais da Serra de Monfurado, o Alto de S. Bento representa um importante marco geográfico e paisagístico todo o território envolvente; o domínio visual, as condições de defensibilidade e a paisagem natural, pautada por destacados afloramentos graníticos, parecem ter contribuído, em muito, para a longa diacronia de ocupações pré-históricas aqui presentes. Apesar de nunca se terem efectuado escavações arqueológicas no sítio, as cuidadosas recolhas de materiais já efectuadas permitem propor que o Alto de S. Bento tenha sido ocupado, quase ininterruptamente, pelo menos desde os inícios do V milénio a.C. até meados do III milénio a.C., havendo mesmo indícios que permitem sugerir uma ocupação mesolítica do sítio, ainda que episódica.
Contudo, as primeiras notícias, publicadas, acerca da existência de vestígios arqueológicos e de uma ocupação pré-histórica do Alto de S. Bento surgiram já durante o século XX. Produzidas pela mão do jornalista e cronista “Tito Lívio Eborense”, em 1938, e publicadas no jornal diário “Noticias d’Evora”, as primeiras noticias referentes ao sitio consistem em dois pequenos artigos, nos quais o autor descreve o sítio e os vestígios materiais, referindo a opinião dos académicos da época, como Manuel Heleno, Leite de Vasconcelos ou Obermier.
Extraído do jornal diário “Noticias d’Évora” nº 11:210, de terça-feira, 19 de Abril de 1938, página nº 1 – Artigo “As origens e fundação da cidade de Evora” por Tito Lívio Eborense:
Descobertas – As origens e fundação da cidade de Evora
“A cidade de Evora, capital de uma província, centro activo de urbanismo e de vida social, atrai a atenção de investigadores da geografia e da história.
Para se estudarem as origens de Evora devem pôr-se de parte, antes de tudo, a fabula dos Eborões citados pelos cronistas do século XVI, como fundadores da cidade.
As nossas principais fontes são a arqueologia, considerada de um modo geral, e as pesquizas que se têm realisado junto da cidade.
Todas as povoações tiveram a sua origem lógica. Todas acabam quando Deus quere: pela guerra, pela peste ou pelos terramotos.
Quantos povoados mortos há por esse Portugal enterrados e cercados de lendas e de poesia!
Junto da cidade no monte de S. Bento, onde há resto de um castro dos tempos remotos, têm aparecido centenas de objectos pré-historicos como sejam flechas, facas, setas e meias luas em pedreneira, grande quantidade de louça ornamentada, núcleos de cristal, pelo que se deve concluir que os povos antigos tinham já o culto pelos satélites e pelos astros.
Era cómodo este local para povoação e para a sua defeza.
Por isso onde se acham os restos pré-históricos, foi um reducto ou parte de castro construído pelos homens neolíticos para junto dele passarem a vida, quanto possível, ao abrigo dos seus inimigos.
Analisando as condições de todo este terreno para defeza desta posição, na hipótese de que só ocupava o recinto onde se vêem os vestígios pré-historicos, observamos que pelo sul, nascente e poente era impossível a qualquer ataque ao reducto, sendo também defendida pela escarpa que lhe servia de forte muralha natural do vale de S. Bento, onde existe o convento.
O Sr. Dr. Manuel Heleno, ilustre professor e lente da Faculdade de Letras de Lisboa, depois de vários estudos, classificou-a cronologicamente entre a estação neolítica de Rio Maior, mais antiga de há 7.500 anos, e a de Carenque, de há mais de 5.000 anos.
Os trabalhos ate agora realisados vem contribuir grandemente para resolver o problema cientifico, tido até agora como insolúvel, e isso porque a povoação neolítica pode se considerar pelo seu valor arqueológico, muito importante.
Este povoado estendeu a sua existência até ao começo da época dos metais, através de centenas de anos, depois desapareceu, extinguiu se.”
Extraído do jornal diário “Noticias d’Évora” nº 11:237, de quinta-feira, 20 de Maio de 1938, página nº 30 – Artigo “Descobertas Arqueológicas” por Tito Lívio Eborense:
Descobertas Arqueológicas
"Ficaria incompleta, e para alguns leitores até gratuita, a noticia da “Descoberta da Origem e da Fundação da Cidade de Evora”, relatada na ultima crónica de 19 de Abril, no Noticias d’Evora, dos artefactos pré-historicos encontrados em S Bento de Castris.
São 5 os objectos de pedra de eleição que não tiveram uso algum, são perfeitamente polidos e trabalhados, completamente novos, como deviam ser os objectos votivos, ofertados á divindade, ao Ser ou Seres Superiores, cuja existência exteriorizada nos fenómenos e coisas da Natureza, se enraizara “abe initro” na inteligência racional do homem.
E esta circunstancia de serem peças acabadas de sair das mãos do seu fabricante leva-me a julgá-las, de facto, coexistentes das metálicas de outra estação neolítica de Carenque e de Montemor, descobertas pelo ilustre professor Sr. Dr. Manuel Heleno, em 1935, embora não seja este o único fundamento de tal critério.
Nos aparecimentos de mobiliário pré-historicos de S. Bento de Castris, entre outros objectos são três meias luas e amachadinhos de calcário, de forma trapezoidal ou de cunha, provavelmente amuletico, porque o seu tamanho, é de 0,032 m de comprimento e o de 0,02 de largura, o que não nos autoriza a supo lo de uso domestico.
Que outra interpretação pode dar se a este conjunto de 5 peças, de formas clássicas e perfeitas, encontradas nas especialíssimas condições a que me referi no artigo anterior senão a de ser o resultado de um acto cultural, votivo exercido pelos nossos antepassados milenários da Serra de S. Bento.
Que o machado era objecto de culto, temos prova no espólio do monumento de Vale de S. Martinho de Sintra, pois foi encontrado um simulacro de uma enxó pré-historica encabada, tudo de pedra calcária, portanto sem aplicação pratica.
Mas são concordantes em dar esta mesma interpretação a semelhantes suposições, entre outras, Montelius, Dechelete, Dr. Leite de Vasconcelos, Dr. Manuel Heleno e, ultimamente, o professor Dr. Obermeir. Não foi pequeno o trabalho que tive para coligir os elementos precisos, medi e estudei por vezes, “in loco” as ruínas da povoação pré-historica de S. Bento de Castris."
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